OUTROS ASPECTOS DE UMA VIAGEM À RÚSSIA
Da recente visita que efectuei à Rússia ressaltaram-me outros aspectos mais correntes que, por falta de oportunidade, não mencionei no artigo que publiquei sob o título DE S. PETERSBURGO A MOSCOVO. Estive então mais atento ao que, de observação directa e
in loco, conseguia ouvir, ver e saber acerca deste enorme País euro-asiático, sob o ponto de vista cultural, histórico, político e social. Foi, nesses domínios, uma viagem estimulante que admito voltar a fazer, designadamente a Moscovo.
Numa viagem destas, e num País tão cheio de expectativas, era impossível deixar de observar outros aspectos mais triviais, relacionados com a vida do dia a dia. São muitos mas apenas quero realçar dois: o turismo e as fortunas colossais que, em poucos anos, muitos russos conseguiram obter de forma escandalosa.
O turismo é ainda incipiente, atravessa um período de grande agitação, cresce atabalhoado e está, aos olhos de um europeu da classe média, muito longe de ser um turismo de qualidade. Tem-se a nítida sensação de que o importante para os operadores locais de turismo é ganhar muito dinheiro e rapidamente. O conforto do cliente que lhes paga é coisa que ainda não é para eles relevante. Vejamos:
Embora fazendo parte do pacote de serviços que foram pagos antecipadamente é muito frequente que, no aeroporto de chegada, não esteja nenhum guia local à espera do turista. Tive pessoalmente essa experiência, grupos houve que tiveram de esperar horas a fio pela vinda do guia previamente anunciado no
voucher do seu programa de viagem; impressionou-me, neste contexto, a visível desorientação dum casal americano, de idade já muito avançada, abandonado à sua sorte e à inconsciência profissional dum guia que lhe prometeram estar ali à sua espera mas que não havia meio de chegar. Para cúmulo era raro encontrar, mesmo num espaço internacional, vivalma russa que falasse inglês.
O russo é, praticamente, a única língua que a generalidade das pessoas fala e utiliza, tornando-se muito difícil o diálogo com as populações sem a ajuda de guias profissionais. Os monumentos e a sua história apresentam-se, quase sempre, com legendas em russo, poucas há em inglês. Quem ousar deslocar-se sozinho ao Metro ou conduzir um automóvel na cidade ou no País terá, por essa razão, dificuldades acrescidas. É melhor não pensar nisso.
Disseram-me que a ligação de Moscovo a S. Petersbugo, feita de comboio à noite, é uma ligação lenta, desconfortável, de serviço fraco e com deficiências hoje inaceitáveis no domínio da higiene básica. Não constatei isso, felizmente, no Navio em que fiz a ligação fluvial entre as duas capitais. O serviço aqui já era razoável com o senão de as cabines serem ainda muito apertadas e desconfortáveis. Os navios, de idade avançada, deixam ainda muito a desejar. Em conforto e qualidade geral estão, curiosamente, muitos anos atrás dos cruzeiros do Nilo.
Após a desagregação da União Soviética e a subida ao poder do Presidente Boris Nikoláievitch Iéltsin tudo mudou, para melhor e para pior.
Para melhor, desde logo pelo estabelecimento da democracia política num país cujo povo estava habituado a viver em ditadura e sofrer na pele, séculos e séculos, a ignomínia dos poderes sanguinários de Czares e Comunistas;
para melhor, pela defesa, pelo menos teórica, dos direitos, liberdades e garantias do cidadão russo.
Para pior, pela confusão generalizada que se instalou no País e nos Países que saíram da ex-União Soviética, com guerras violentas à mistura;
para pior, pela degradação social das populações russas que, totalmente dependentes do Estado, não souberam, na generalidade, adaptar-se, de repente, a tempos diferentes e a uma nova mentalidade nascente;
para pior pelo aumento do desemprego, pela privatização, a preços de saldo, de tudo o que era do Estado, especialmente das grandes empresas e meios de produção lucrativos;
para pior pela desagregação da economia, pelo aumento do desemprego, pela falta de serviços, pelos altos preços praticados e pelo aparecimento de casos de pobreza extrema nas zonas mais afastadas dos grandes centros de decisão;
para pior pelo aparecimento inopinado de fortunas colossais, conseguidas com a cumplicidade e falta de autoridade do Estado, pelo comportamento corrupto dos seus agentes que tudo facilitavam, também eles na voracidade dum enriquecimento rápido, ilícito e sem limites.
O que acabo de descrever resulta da observação directa do que vi, ouvi e interpretei. Depois de um comunismo atroz, a Rússia vive hoje num ambiente de capitalismo selvagem em que o dinheiro é o motor de tudo, e em que uma pequena parte da população está bem instalada na vida, e a outra, a grande maioria, se encontra numa situação de pobreza extrema, no limiar da indignidade humana. Até quando?