terça-feira, agosto 28, 2007


OUTROS ASPECTOS DE UMA VIAGEM À RÚSSIA


Da recente visita que efectuei à Rússia ressaltaram-me outros aspectos mais correntes que, por falta de oportunidade, não mencionei no artigo que publiquei sob o título DE S. PETERSBURGO A MOSCOVO. Estive então mais atento ao que, de observação directa e in loco, conseguia ouvir, ver e saber acerca deste enorme País euro-asiático, sob o ponto de vista cultural, histórico, político e social. Foi, nesses domínios, uma viagem estimulante que admito voltar a fazer, designadamente a Moscovo.

Numa viagem destas, e num País tão cheio de expectativas, era impossível deixar de observar outros aspectos mais triviais, relacionados com a vida do dia a dia. São muitos mas apenas quero realçar dois: o turismo e as fortunas colossais que, em poucos anos, muitos russos conseguiram obter de forma escandalosa.

O turismo é ainda incipiente, atravessa um período de grande agitação, cresce atabalhoado e está, aos olhos de um europeu da classe média, muito longe de ser um turismo de qualidade. Tem-se a nítida sensação de que o importante para os operadores locais de turismo é ganhar muito dinheiro e rapidamente. O conforto do cliente que lhes paga é coisa que ainda não é para eles relevante. Vejamos:

Embora fazendo parte do pacote de serviços que foram pagos antecipadamente é muito frequente que, no aeroporto de chegada, não esteja nenhum guia local à espera do turista. Tive pessoalmente essa experiência, grupos houve que tiveram de esperar horas a fio pela vinda do guia previamente anunciado no voucher do seu programa de viagem; impressionou-me, neste contexto, a visível desorientação dum casal americano, de idade já muito avançada, abandonado à sua sorte e à inconsciência profissional dum guia que lhe prometeram estar ali à sua espera mas que não havia meio de chegar. Para cúmulo era raro encontrar, mesmo num espaço internacional, vivalma russa que falasse inglês.

O russo é, praticamente, a única língua que a generalidade das pessoas fala e utiliza, tornando-se muito difícil o diálogo com as populações sem a ajuda de guias profissionais. Os monumentos e a sua história apresentam-se, quase sempre, com legendas em russo, poucas há em inglês. Quem ousar deslocar-se sozinho ao Metro ou conduzir um automóvel na cidade ou no País terá, por essa razão, dificuldades acrescidas. É melhor não pensar nisso.

Disseram-me que a ligação de Moscovo a S. Petersbugo, feita de comboio à noite, é uma ligação lenta, desconfortável, de serviço fraco e com deficiências hoje inaceitáveis no domínio da higiene básica. Não constatei isso, felizmente, no Navio em que fiz a ligação fluvial entre as duas capitais. O serviço aqui já era razoável com o senão de as cabines serem ainda muito apertadas e desconfortáveis. Os navios, de idade avançada, deixam ainda muito a desejar. Em conforto e qualidade geral estão, curiosamente, muitos anos atrás dos cruzeiros do Nilo.

Após a desagregação da União Soviética e a subida ao poder do Presidente Boris Nikoláievitch Iéltsin tudo mudou, para melhor e para pior. Para melhor, desde logo pelo estabelecimento da democracia política num país cujo povo estava habituado a viver em ditadura e sofrer na pele, séculos e séculos, a ignomínia dos poderes sanguinários de Czares e Comunistas; para melhor, pela defesa, pelo menos teórica, dos direitos, liberdades e garantias do cidadão russo. Para pior, pela confusão generalizada que se instalou no País e nos Países que saíram da ex-União Soviética, com guerras violentas à mistura; para pior, pela degradação social das populações russas que, totalmente dependentes do Estado, não souberam, na generalidade, adaptar-se, de repente, a tempos diferentes e a uma nova mentalidade nascente; para pior pelo aumento do desemprego, pela privatização, a preços de saldo, de tudo o que era do Estado, especialmente das grandes empresas e meios de produção lucrativos; para pior pela desagregação da economia, pelo aumento do desemprego, pela falta de serviços, pelos altos preços praticados e pelo aparecimento de casos de pobreza extrema nas zonas mais afastadas dos grandes centros de decisão; para pior pelo aparecimento inopinado de fortunas colossais, conseguidas com a cumplicidade e falta de autoridade do Estado, pelo comportamento corrupto dos seus agentes que tudo facilitavam, também eles na voracidade dum enriquecimento rápido, ilícito e sem limites.

O que acabo de descrever resulta da observação directa do que vi, ouvi e interpretei. Depois de um comunismo atroz, a Rússia vive hoje num ambiente de capitalismo selvagem em que o dinheiro é o motor de tudo, e em que uma pequena parte da população está bem instalada na vida, e a outra, a grande maioria, se encontra numa situação de pobreza extrema, no limiar da indignidade humana. Até quando?

1 comentário:

Anónimo disse...

Não sou tão pessimista acerca da Rússia, pois trata-se de um País com um passado que nos parece longínquo mas que na verdade é um País recente. Claro que em toda a nossa vida a Rússia era conhecida de todos e todos certamente julgavam que o seu passado era extremamente rico, pois todos somos “Caucasianos” e eles, estando mais perto do Cáucaso do que nós deveriam ter “mais” passado. Mas, consultados os arquivos, ninguém vivia naquele território até ao Sec.IX em que se estabeleceram lá os Vikings e fundaram Kiev e Ninji Novgorod. A região foi todavia conquistada 4 séc. depois pelos Mongóis (Gengis Khan) e só no Séc. XIV há referências a Moscow como núcleo da Moscóvia por ser centro comercial entre o oriente e o ocidente. Só no séc.XVI, Ivan, o Terrível, se torna expansionista, submete os boiardos e intitula-se César (Czar). Tudo, começa, pois , no Séc.XVI, mas só no Séc. XVIII Pedro I (O Grande) funda S Petersburgo (onde havia só uma pequena povoação de Vikings,.mais tarde Suecos) e assim a RUSSIA e daí para a frente passou a reinar o puro ABSOLUTISMO com os futuros Czares, Imperadores, Cristãos Ortodoxos, Bolchevistas, Comunistas, etc. Várias tentativas de liberalismo foram imediatamente destruídas (veja-se a Praça dos Setembristas em S Petersburgo que foi a base do tema do célebre “Guerra e Paz” de Tolstoi). O povo nunca chegou a ter voz e certamente só depois de 1990 passou a ser considerado como “gente”. Quero dizer com isto que o Povo tem 16 ou 17 anos de poder ter algo que lhe pertence e que, evidentemente, nesta divisão brusca do que é do Estado passar para o Privado houve quem se aproveitasse da situação e esses passaram a ser os novos “Czares” da Rússia, entrando-se assim num capitalismo puro, agora selvagem, de que não sabemos o futuro. Houve (e há muitos) que continuaram sem nada. Só sei que visitando S Petersburgo em 2000 e novamente em 2007 a diferença é enorme e posso dizer que abissal, pois nessa altura qualquer estrangeiro não podia, sem risco, andar só na avenida principal (Nievsky Project).
Sob o ponto de vista turístico os museus de arte russa ou de arte ocidental em Moscow ou em S Petersburgo, ou a arte que impregna os mínimos recantos de qualquer catedral ortodoxa justificam, só por si, uma visita atenta e detalhada. País a visitar novamente, a observar a sua evolução política e com esperança que entrem num regime ocidentalizado actual. Mas tudo é novo. É um povo “jovem”, ainda certamente ainda com muito medo do passado, em que certamente a maior parte das famílias foram sucessiva e continuamente destruídas.