quarta-feira, agosto 23, 2006

UM PAÍS DE FUTEBOL FALADO

A novela que, nos últimos tempos, ocupou uma boa parte dos adeptos do futebol em Portugal chegou, para já, a um primeiro fim. Acabados os recursos e contra-recursos do caso Mateus passados no âmbito das Comissão Disciplinar da Liga e do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, é a vez de, de novo, entrarem em cena os tribunais civis. Gil Vicente e Belenenses vão, certamente, digladiar-se pelos tribunais para, em última análise, se saber quem desce de divisão e quem não desce. Até agora desceram e não desceram à vez, em função dos bons ou maus humores dos senhores das Instâncias Judiciais: ora agora desces tu, ora agora permaneço eu…Ambos já estiveram na Primeira Liga, ambos já estiveram na Liga de Honra.

Pelos resultados desportivos obtidos no rectângulo de jogo o Gil Vicente perfez pontos que o manteriam na Primeira Liga; pelos resultados administrativos obtidos em campo judicial (!!!) o Belenenses conseguiu obter sentenças que evitaram a sua despromoção. Por incrível que pareça as decisões administrativas de um Tribunal espúrio prevaleceram sobre a legitimidade de resultados desportivos obtidos em campo de jogo.

Isto não me cheira bem. Desde cedo se pressentiu o resultado desta novela. Encontrado que fosse um qualquer atalho de natureza burocrática nunca o Belenenses poderia descer de divisão. Isso foi sempre evidente. Que importância teriam para um caso destes os resultados desportivos que o Gil Vicente obtivera em campo? Nada, se isso conviesse ao Belenenses e aos próceres da sua causa. Foi o que, como se previu, finalmente aconteceu.

Conhecidos os detalhes e desenlace deste caso algumas perguntas poderão ser colocadas: Por que razão o Belenenses só denunciou à Liga Portuguesa de Futebol as eventuais irregularidades do Gil Vicente depois de terminado o campeonato que ditou a sua despromoção? Por que não o fez no decurso do próprio campeonato? Sabendo a Liga, em tempo oportuno, que o Gil Vicente utilizara indevidamente o jogador Mateus por que razão não agiu, desde que foi conhecida a primeira utilização irregular? Por que razão houve tantas divisões, demissões e readmissões dos membros da Comissão Disciplinar da Liga? Como pode o Gil Vicente ser punido se a utilização, durante quatro jogos, do jogador Mateus foi autorizada pelo Tribunal? Como se explica que um atleta dito amador não possa ser inscrito num escalão profissional e um atleta júnior possa transitar directamente do seu escalão etário para o escalão sénior? Sendo, no seio dos membros da Comissão Disciplinar da Liga, tantas as opiniões divergentes sobre a regularidade ou irregularidade de utilização do jogador Mateus, por que não dar prevalência aos resultados desportivos obtidos legitimamente em campo pelo Gil Vicente? Que moralidade tem o Belenenses para disputar o campeonato da Primeira Liga de 2006/2007 sabendo-se que desportivamente os resultados que obteve em campo ditaram, de facto, a sua despromoção? Tem a actual Comissão Disciplinar da Liga espessura ética para ter decidido como decidiu? À semelhança de outros fretes não foi agora feito um frete ao Belenenses?

quinta-feira, agosto 17, 2006

MINISTROS QUE FIZERAM HISTÓRIA

A recente entrevista do actual Ministro da Saúde, sendo séria e bem intencionada, não traz, na minha opinião, nada de relevante. É que nem sempre os melhores Ministros de uma área governamental são os que provêm ou têm experiência anterior nos serviços do ministério que passaram a tutelar. Na área da saúde, tem sido, de facto, assim. De que me recorde, os melhores Ministros da Saúde de Portugal foram aqueles que vieram de áreas exteriores aos serviços de saúde. Refiro-me obviamente ao período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974.

Os que pertenciam ou, como é hoje o caso, pertencem aos serviços do Ministério que eles próprios tutelaram ou tutelam, com honrosas excepções raramente produziram ou produzem matéria ou doutrina inovadora. São muitos os constrangimentos que os limitam à partida. Não são verdadeiramente livres e, por isso, dificilmente conseguiram deixar legado positivo. Tal não significa que os que vêm de fora do sistema deixem sempre obra de referência. Também os houve irrelevantes e com mau desempenho.

Fazendo, de memória, uma retrospectiva dos Ministros que, após a revolução, já passaram pelo Ministério da Saúde, há, na minha opinião, apenas cinco que se distinguiram e deixaram obra duradoira: António Arnaut, Paulo Mendo, Leonor Beleza, Maria de Belém e Luís Filipe Pereira. Todos se distinguiram por algo que os marcou e por algo que também marcou a própria sociedade portuguesa no domínio da saúde em Portugal. Quem se lembra dos restantes e que factos politicamente relevantes produziu, até agora, o actual titular?

António Arnaut foi o autor efectivo do ainda hoje existente serviço nacional de saúde; Paulo Mendo ficará para a história como tendo sido o criador das carreiras médicas (hospitalar, saúde pública e clínica geral), dos cuidados de saúde primários, do médico de família e dos centros de saúde concelhios; Leonor Beleza foi quem primeiro tentou, com algum êxito para a altura, implantar nos Hospitais portugueses modelos de gestão profissional idênticos aos do sector privado; Maria de Belém trouxe para o serviço nacional de saúde as primeiras empresas públicas hospitalares com dois casos práticos de grande sucesso, como são os Hospitais da Feira e de Pedro Hispano; Luís Filipe Pereira foi o Ministro que, de uma forma global e integrada, conseguiu introduzir em Portugal um amplo sistema empresarial de serviços, com a criação efectiva dos primeiros Hospitais SA e a introdução obrigatória dos primeiros sistemas integrados de informação e gestão.

Dos Ministros citados apenas há um, Paulo Mendo, que, sendo do sector, conseguiu preparar e legar obra emblemática de cariz duradoiro; dos restantes, nenhum integrou profissionalmente o sistema, mas todos conseguiram deixar marca específica da sua passagem pelo Governo. Mas Luís Filipe Pereira foi, na minha opinião, de todos eles, o único que verdadeiramente teve uma visão estratégica para o serviço nacional de saúde, com modelos organizacionais e instrumentos de gestão inovadores, já provados com sucesso nas grandes empresas do sector privado de que, afinal, ele próprio é oriundo. Pena foi para o País que as vicissitudes da política o tivessem prematuramente afastado.