quarta-feira, janeiro 30, 2008

O MENINO DE RENNES

O Ministro da Saúde que acaba de ser demitido por José Sócrates é um dos seis meninos de Rennes. O que foram estes meninos? Foram 6 jovens licenciados em direito, matemática e economia que, na década de sessenta do século vinte, tiveram o privilégio de, por conta do contribuinte português, tirar um Curso de Administração Hospitalar na ÉCOLE NATIONALE DE SANTÉ PUBLIQUE, da cidade francesa de Rennes. É praticamente com eles que se começa em Portugal a falar, pela primeira vez, dos Administradores Hospitalares. Sucederam, na direcção dos hospitais, à figura já gasta do então provedor hospitalar. Se estes Administradores grassam por aí hoje aos magotes, em muitos casos acotovelando-se inutilmente pelos gabinetes dos serviços de saúde, na década de sessenta do século passado faltavam de todo. Quem mandava nos hospitais era, como disse, a medieval figura do senhor provedor.

Sob a batuta do Professor Coriolano Ferreira estavam, à data, a operar-se profundas transformações no âmbito dos serviços de saúde e, por via disso, impunha-se dar formação específica, no domínio da gestão hospitalar, a um primeiro punhado de jovens que fossem capazes de garantir que os hospitais se começassem a gerir por modelos de organização diferentes, muito mais próximos da organização empresarial privada. Como em Portugal ainda não havia escolas universitárias orientadas para a formação daqueles profissionais de saúde, a solução esteve em Rennes e na sua Escola Superior de Saúde. Coriolano, conhecendo esta Escola e sabendo da sua qualidade, escolheu para a frequentar seis jovens licenciados da sua confiança pessoal. Assim nasceram os meninos de Rennes. António Correia de Campos era um deles. De comportamento rebelde e aluno de mediana classificação, mas já detentor do diploma de Administrador Hospitalar pela ÉCOLE NATIONALE DE SANTÉ PUBLIQUE de Rennes, o jovem Correia de Campos regressa, contente, a Portugal de canudo na mão. Um canudo que obteve em França à custa do Orçamento do Estado.

Pós-graduado, como todos os outros, para o desempenho de uma actividade operacional num dos grandes hospitais portugueses, Correia de Campos nunca chegou, na prática, a gerir nenhum deles, ao contrário do que aconteceu com a maioria dos colegas que se formaram na mesma escola. Delfim predilecto de Coriolano Ferreira e sempre muito protegido por ele, Correia de Campos nunca foi para o terreno, nunca dirigiu um Hospital, nunca precisou de tomar decisões urgentes nas situações difíceis de vida e de morte de muitos dos seus concidadãos. Por convicção ou por comodismo, Campos praticamente nunca saiu da então criada ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA, ali se mantendo até aos dias de hoje. Consultor esporádico do Banco Mundial e da Fundação Luso-americana (dizem que, como prémio de ter sido Ministro, vai ser o próximo Presidente desta Fundação…!!!), Correia de Campos foi estando pela sua Escola, aqui dando aulas, aqui formando novos Administradores Hospitalares, aqui fazendo investigação, aqui escrevendo e editando livros, aqui obtendo o título de Professor Catedrático na disciplina de Economia da Saúde.

Penso que António Correia de Campos não foi um bom Ministro da Saúde. Se o fosse não teria sido tão globalmente contestado e, sobretudo, não teria sido demitido. Foi-o sem glória e, ao contrário de outros ministros da Saúde, não vai deixar obra que o dignifique. Correia de Campos nunca passou dum teórico sem experiência prática; sabe de saúde mas raramente conseguiu demonstrar ter uma visão estratégica para um novo modelo de organização que todos os portugueses conhecessem, compreendessem e aceitassem. Inseguro, de pensamento muitas vezes contraditório, irritantemente auto-convencido, arrogante quanto baste, nunca foi capaz de se explicar bem e de dizer, com clareza, aos portugueses o que estava a fazer e o que queria fazer.

Correia de Campos falhou rotundamente. Falhou perante os profissionais de saúde, que maltratou; perante o Primeiro-ministro, que desiludiu; perante os portugueses, que hostilizou. Por isso foi contestado, por isso foi demitido, por isso não ficará na história como desejava.

domingo, janeiro 27, 2008

SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, 2 – JESUALDO HELTON FERREIRA, 0


Se há um jogo de futebol em que o resultado final deveria ser favorável à equipa que perdeu, esse resultado foi o do Sporting Clube de Portugal-Futebol Clube do Porto desta noite. A vitória de 2-0 com que a equipa de Lisboa brindou a equipa azul e branca é absolutamente enganadora. Pelo domínio demonstrado ao longo de todo o jogo, pela posse de bola e pelas oportunidades de golo não concretizadas, a haver um vencedor esse vencedor só poderia ser o Futebol Clube do Porto. E claramente. Não me lembro de ter assistido a um jogo de futebol em que o domínio esmagador de uma equipa é avassaladoramente esfrangalhado por um inadequado resultado final de dois a zero. É assim o futebol, é assim a sua magia. O que fica para a história é o resultado; e quem ganhou foi o Sporting Clube de Portugal. Não lhe valerá de muito face ao objectivo de ser campeão nacional de 2007/2008, mas ganhou o jogo. A História di-lo-á para sempre.

Mas uma vez mais Jesualdo Ferreira falhou na estratégia que delineou para este jogo. Que me desculpe mas falhou outra vez. É certo que ele não tem culpa do monumental frango do guarda-redes Helton. Mas pela maneira como armou a equipa notou-se, logo de início, que Jesualdo Ferreira ia para Alvalade jogar a medo. Em vez de ir para lá de peito feito, tal como fez no Estádio da Luz contra o Benfica em que, por isso, ganhou por um zero, Jesualdo teve outra vez medo do Sporting. Abandonou o habitual modelo ofensivo de jogo e trocou-o por um sistema claramente mais defensivo. Sempre que no passado deixou de jogar em 4-3-3 e passou a jogar num sistema de 4-4-2, o FCP perdeu. Foi assim em 2007 com o Chelsea e o Liverpool na Liga dos Campeões Europeus, foi assim contra o Sporting esta noite e na final da Taça Cândido de Oliveira. Em todos estes jogos mudou o modelo de jogo, em todos eles Jesualdo perdeu.

Custa-me muito, por outro lado, que a quinze minutos do fim Jesualdo se tenha permitido dispensar do jogo Ricardo Quaresma. Por muito mal que jogue, jogadores como este não devem ser substituídos. É que de repente resolvem um jogo. Quaresma já resolveu muitos no Futebol Clube do Porto. Pelé, Eusébio, Maradona, Luís Figo e Cristiano Ronaldo resolveram outros nas equipas em que jogaram ou jogam. Artistas daquela categoria nunca se dispensam nem se substituem a meio dum jogo que se quer ganhar. O povo que ama o espectáculo exige-os sempre em campo. Jesualdo ao abdicar de Quaresma a quinze minutos do fim, ficou ainda mais longe de poder dar a volta a um resultado que lhe era desfavorável.

Professor Jesualdo Ferreira. O Senhor perdeu um jogo que deveria ter ganho mas ainda não perdeu objectivamente nada; pode ganhar tudo nos torneios em que o FCP ainda está envolvido, mas também pode perdê-los a todos. Para os ganhar deixe-se de medos, vá para os jogos de peito feito como fez no Estádio da Luz e verá que estará sempre mais perto da vitória do que da derrota. A derrota desta noite, ainda que imerecida, também começou por ser psicologicamente antecipada pela estratégia defensiva que erradamente adoptou para o jogo. Porquê Marek Cech numa linha média de quatro jogadores em vez de um Adriano numa linha avançada de três jogadores ofensivos que tanto êxito tinha tido uns dias antes contra o Sporting Clube de Braga? Valha-nos Deus, Senhor Professor…

sexta-feira, janeiro 11, 2008

GERAÇÃO SACRIFICADA

O Manuel Bernardo é um hoje dos muitos aposentados da função pública, exactamente um daqueles que muito irrita a dupla José Sousa / Fernando Santos. É, como muitos outros, uma espécie de “embrulho humano” que aquela dupla política considera inútil no contexto da sociedade portuguesa, face ao crime de, depois de uma longa vida de trabalho duro ao serviço do País, ter tido direito, para o resto da vida, a uma pensão superior a dois mil e quinhentos euros mensais…!!!

Nascido em meados do século vinte, filho de gente simples de uma das aldeias rurais do norte de Portugal, o Manuel Bernardo desde cedo se apercebeu das dificuldades da vida. É certo que nunca passou fome, mas quase sempre viveu com dificuldades, raramente teve os brinquedos que outros meninos da sua idade, ao tempo, já conseguiam ter. Ao contrário de José S. Pinto de Sousa e de uma maioria chique dos políticos que hoje governam Portugal e que não sabem como se desenvolve um feijão ou se forma uma espiga, Manuel Bernardo viu, com os próprios olhos, o milho crescer, as uvas madurarem, os figos sazonarem, as batatas crescerem, os animais domésticos medrarem. O Manuel não confunde um sobreiro com um carvalho, um pinheiro com um eucalipto, uma semente com um tubérculo. O Manuel distingue o centeio do trigo, e vê a diferença entre uma couve e um repolho, entre uma alface e um agrião. O Manuel sabe, desde criança, o que é a vida rural, mas também sabe o que a vida numa vila ou numa cidade. Sabe o que é estudar na escola primária de uma aldeia longínqua do norte de Portugal, ou no liceu de um concelho do interior duriense; mas também sabe o que é estudar nos bancos de uma grande universidade do norte do País.

O Manuel Bernardo, desde tenra idade profundo conhecedor da vida e dos seus enredos, nunca os temeu, mas soube, com privações, vencê-los e fazer-se por si próprio. Foi sempre um aluno brilhante na escola e no liceu, e concluiu, sem cunhas ou falcatruas, uma licenciatura universitária. Não foi, como muitos, desertor e soube servir o seu País na hora de, com sacrifício pessoal e familiar, ir à guerra colonial. Lealmente competitivo nas actividades profissionais que exerceu, desempenhou cargos de responsabilidade no sector público e no sector privado. Sempre teve os seus impostos em dia, e sempre contribuiu solidariamente para sustentar, com o dinheiro que descontava, os que então viviam já dos rendimentos de reforma. O Manuel, com os impostos que pagou, foi e quis ser sempre solidário para com os cidadãos do País onde nasceu. Cumpriu com dignidade os deveres de pessoa responsável.

O Manuel Bernardo teve mundo enquanto estudou e trabalhou, e foi também capaz de planear, com as armas que pôde, a sua reforma futura. Fez os descontos que a lei obrigava, organizou os seus planos de poupança. Tal como soube vencer os obstáculos da vida activa, soube também, pensava ele, preparar-se para o resto da sua vida não activa. Queria justamente ter, na situação de aposentado, o mesmo nível de vida que foi tendo durante o tempo em que trabalhou.

Manuel Bernardo está profundamente indignado. Os seus rendimentos são hoje 20% menos do que eram no acto da obtenção da sua reforma. Nunca mais foi aumentado e passou a pagar mais impostos do que aqueles que pagava; a partir de 2007, recebeu nominalmente menos do que antes recebia, e, para 2008, vê a sua reforma, uma vez mais covardemente desvalorizada. Sente-se a empobrecer. Será isso socialmente justo? Só para crápulas como a dupla José Sousa / Fernando Santos é que isso parece ser justo. Os crápulas, diz Manuel Bernardo, foram e são sempre assim: arrogantes para com os fracos; poltrões para com os fortes.

terça-feira, janeiro 08, 2008


INCOMPETÊNCIA OU CUMPLICIDADE?


Já muita coisa foi dita e redita acerca do caso MILLENNIUM BCP. Trata-se dum caso que, não é demais repetir, ultrapassou os limites da decência. Nunca me passou pela cabeça que Jardim Gonçalves, depois de um trabalho notável ao nível da formação do seu Banco e, por via disso, da modernização do sistema bancário português, se deixasse cair na situação em que caiu. A sua história de sucesso, a sua ligação activa à Opus Dei, os princípios de carácter religioso por que se rege e de que, para público ver, ia sempre dando mostras às pessoas que o admiravam, dificilmente pressupunham que, por detrás de um homem de aparente integridade moral, morasse, afinal, a personalidade de uma criatura eticamente reprovável, de ambição sem limites e capaz mesmo de todos os desmandos, desde que isso significasse a sua perpetuação no poder e o reforço permanente da sua conta bancária, da dos seus familiares e de todos os que em conivência prosperavam à sua volta.

Agora se percebe melhor por que razão Paulo Teixeira Pinto se incompatibilizou com tão pressaga figura e se demitiu das funções de Presidente do Conselho de Administração do MILLENNIUM BCP. Qualquer pessoa de boa formação tinha que resistir às ilicitudes que, pelos vistos, se praticavam à tripa-forra naquele banco. Foi, depois de inglória luta, o que honestamente fez; não foi, sem surpresa, o caso de outros, designadamente dos Administradores e de todos aqueles que medraram e medravam sob o chapéu de Jardim Gonçalves. A Nomenclatura reinante estava habilidosamente criada e urgia mantê-la, nem que para isso fosse necessário afastar ou criar condições de auto-afastamento dos que a ela se opunham.

No rol das irregularidades e de ilícitos aparentemente criminais cometidos pela Administração de Jardim Gonçalves não se entende a passividade das autoridades que tutelam, regulam e fiscalizam o sistema bancário e o mercado financeiro de Portugal. O que estiveram a fazer, durante anos e anos, o Ministério Público, a Polícia Judiciária, a Inspecção-geral de Finanças, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e o Banco de Portugal? Habitualmente tão lestas no tratamento de casos de ilicitude residual, por que não foi nenhuma daquelas entidades capaz de investigar, julgar e punir procedimentos de legalidade duvidosa que, em surdina, já iam passando de boca em boca pelo menos desde 2001? Se não fosse a atitude de grande dignidade de Paulo Teixeira Pinto e o papel, uma vez mais fundamental, que os jornalistas portugueses tiveram na denúncia das irregularidades deste processo, é muito provável que as castas de poder criadas por Jardim Gonçalves ainda hoje estivessem a governar o MILLENNIUM BCP e a tratar desta instituição bancária como coisa sua, ignorando, com desprezo, os legítimos direitos dos pequenos accionistas e depositantes do Banco.

Para além de Jardim Gonçalves, que já saiu, e dos Administradores do ainda Conselho de Administração, que vão sair, não se entende por que não foram ainda demitidos Fernando Teixeira dos Santos, Vítor Constâncio e Carlos Tavares. Se a embrulhada do BCP deu no que deu, estas três entidades não podem assobiar para o lado como se nada tivessem a ver com o caso. É que se não foram cúmplices (e admite-se que não sejam), foram, no mínimo, incompetentes no exercício das suas funções de reguladores e fiscalizadores da banca e do mercado de valores mobiliários. Fernando Teixeira dos Santos foi Presidente da CMVM, Carlos Tavares é-o neste momento, e o inefável Vítor Constâncio desempenha, de há muitos anos, a função de Governador do Banco de Portugal. Dadas as especiais responsabilidades que, por inacção, incompetência ou cumplicidade, indirectamente tiveram para o desprestígio do MILLENNIUM BCP, há muito que deveriam ter deixado de exercer os cargos que exercem. Já deixaram de ter credibilidade. Num País decente isso já teria acontecido. Como não estamos num País decente, essas preclaras figuras ainda vão acabar por ser publicamente louvadas por Sua Excelência o compadre José Sócrates…!!!