O MENINO DE RENNES
O Ministro da Saúde que acaba de ser demitido por José Sócrates é um dos seis meninos de Rennes. O que foram estes meninos? Foram 6 jovens licenciados em direito, matemática e economia que, na década de sessenta do século vinte, tiveram o privilégio de, por conta do contribuinte português, tirar um Curso de Administração Hospitalar na ÉCOLE NATIONALE DE SANTÉ PUBLIQUE, da cidade francesa de Rennes. É praticamente com eles que se começa em Portugal a falar, pela primeira vez, dos Administradores Hospitalares. Sucederam, na direcção dos hospitais, à figura já gasta do então provedor hospitalar. Se estes Administradores grassam por aí hoje aos magotes, em muitos casos acotovelando-se inutilmente pelos gabinetes dos serviços de saúde, na década de sessenta do século passado faltavam de todo. Quem mandava nos hospitais era, como disse, a medieval figura do senhor provedor.
Sob a batuta do Professor Coriolano Ferreira estavam, à data, a operar-se profundas transformações no âmbito dos serviços de saúde e, por via disso, impunha-se dar formação específica, no domínio da gestão hospitalar, a um primeiro punhado de jovens que fossem capazes de garantir que os hospitais se começassem a gerir por modelos de organização diferentes, muito mais próximos da organização empresarial privada. Como em Portugal ainda não havia escolas universitárias orientadas para a formação daqueles profissionais de saúde, a solução esteve em Rennes e na sua Escola Superior de Saúde. Coriolano, conhecendo esta Escola e sabendo da sua qualidade, escolheu para a frequentar seis jovens licenciados da sua confiança pessoal. Assim nasceram os meninos de Rennes. António Correia de Campos era um deles. De comportamento rebelde e aluno de mediana classificação, mas já detentor do diploma de Administrador Hospitalar pela ÉCOLE NATIONALE DE SANTÉ PUBLIQUE de Rennes, o jovem Correia de Campos regressa, contente, a Portugal de canudo na mão. Um canudo que obteve em França à custa do Orçamento do Estado.
Pós-graduado, como todos os outros, para o desempenho de uma actividade operacional num dos grandes hospitais portugueses, Correia de Campos nunca chegou, na prática, a gerir nenhum deles, ao contrário do que aconteceu com a maioria dos colegas que se formaram na mesma escola. Delfim predilecto de Coriolano Ferreira e sempre muito protegido por ele, Correia de Campos nunca foi para o terreno, nunca dirigiu um Hospital, nunca precisou de tomar decisões urgentes nas situações difíceis de vida e de morte de muitos dos seus concidadãos. Por convicção ou por comodismo, Campos praticamente nunca saiu da então criada ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA, ali se mantendo até aos dias de hoje. Consultor esporádico do Banco Mundial e da Fundação Luso-americana (dizem que, como prémio de ter sido Ministro, vai ser o próximo Presidente desta Fundação…!!!), Correia de Campos foi estando pela sua Escola, aqui dando aulas, aqui formando novos Administradores Hospitalares, aqui fazendo investigação, aqui escrevendo e editando livros, aqui obtendo o título de Professor Catedrático na disciplina de Economia da Saúde.
Penso que António Correia de Campos não foi um bom Ministro da Saúde. Se o fosse não teria sido tão globalmente contestado e, sobretudo, não teria sido demitido. Foi-o sem glória e, ao contrário de outros ministros da Saúde, não vai deixar obra que o dignifique. Correia de Campos nunca passou dum teórico sem experiência prática; sabe de saúde mas raramente conseguiu demonstrar ter uma visão estratégica para um novo modelo de organização que todos os portugueses conhecessem, compreendessem e aceitassem. Inseguro, de pensamento muitas vezes contraditório, irritantemente auto-convencido, arrogante quanto baste, nunca foi capaz de se explicar bem e de dizer, com clareza, aos portugueses o que estava a fazer e o que queria fazer.
Correia de Campos falhou rotundamente. Falhou perante os profissionais de saúde, que maltratou; perante o Primeiro-ministro, que desiludiu; perante os portugueses, que hostilizou. Por isso foi contestado, por isso foi demitido, por isso não ficará na história como desejava.