quarta-feira, novembro 22, 2006

MAIS PAPISTA DO QUE O PAPA

Hesitei muito em escrever este artigo. Hesitei porque, sendo um dos portugueses que nutre pelo Professor Cavaco Silva uma indiscutível admiração, senti-me, por dever de consciência, obrigado a dizer-lhe algo que não vai ser do seu agrado. Não ficaria bem comigo se não lho dissesse.

Tenho para mim que este ilustre Professor Universitário foi o político que, em termos gerais, mais marcou positivamente o nosso País, depois da instauração do regime democrático. Nos domínios da Política Externa e das relações com a União Europeia, das Infra-estruturas Rodoviárias, das Finanças e da Segurança Social, o período de 1985 a 1995 foi um período de ouro, muito difícil de ser repetido no futuro. Portugal deve-lhe muito nestes domínios. É indiscutível.

O mesmo não pode ser dito, infelizmente, em relação à Justiça, à Educação e à Qualificação dos Recursos Humanos. Nestas três áreas residiu o calcanhar de Aquiles do Primeiro-ministro Cavaco Silva. Por falta de tempo, por opções políticas desajustadas ou por falta de Ministros competentes naquelas três áreas, a obra de Cavaco não pôde, por isso, ser perfeita. Tê-lo-ia sido se, designadamente na Justiça e na Educação, o investimento político tivesse sido outro. Não foi; perdeu-se, naquela década, uma oportunidade única e o País ficou, para muitos anos, irremediavelmente marcado por incontornáveis contradições, hoje à vista de todos: Portugal é um dos países da União Europeia mais avançado em infra-estruturas rodoviárias e obras de betão; mas é um dos países que está a ficar fatalmente para trás de todos os outros na Justiça, na Qualificação dos seus Recursos Humanos e na sua manifesta incapacidade para se desenvolver competitivamente nos domínios da economia. Não vai ter remédio tão cedo, talvez durante muitas gerações.

Durante os anos em que se esteve a preparar para ser Presidente da República, e já depois de investido no cargo, não houve nem há discurso político em que Cavaco Silva não fale do atraso dos portugueses nas áreas acima citadas. É o próprio a reconhecer a sua falha. Numa conferência que, em 7 de Julho de 2005, proferiu no Clube Via Norte, Cavaco Silva já naquele momento considerava prioritário que se procedesse à urgente “…determinação do tipo de impostos que se destinam prioritariamente ao investimento produtivo na educação e qualificação dos recursos humanos de Portugal. Há no nosso País um défice crónico de educação e qualificação dos recursos humanos; trata-se dum problema geracional que urge remediar com investimentos especificamente dirigidos, com efeitos a longo prazo…”(ver www.vianorte.org). Senhor Professor: o que é que esteve a fazer durante os dez anos em que foi Primeiro-ministro de Portugal?

Assisti à entrevista que, como Presidente da República, concedeu à jornalista Maria João Avilez. Tratou-se duma entrevista inoportuna, sem sentido, lamentavelmente irrelevante. Não gostei. Foi demasiado paternalista, não trouxe nenhuma ideia nova, não avocou nenhum tema português ou mundial de especial relevância e não conseguiu ser, perante os Portugueses, politicamente equidistante. As especiais responsabilidades que detém como Presidente da República deviam impedi-lo de, nesta fase da política portuguesa, ser um defensor acérrimo das políticas do Governo ou das Oposições. Não é esse o seu papel. Fazendo o que fez agradou a uns e desagradou a outros. Corre o risco desnecessário de, a partir de agora, começar a ser na rua aplaudido por uns e vaiado por outros. E isso não é bom para o CHEFE DO ESTADO.

O Órgão de Soberania Presidente da República deve, do alto do seu posto de observação política, deixar que sejam os Portugueses e a Assembleia da República a censurar ou a apoiar o Governo e as suas políticas. VOSSA EXCELENCIA, Senhor Presidente, prestou um mau serviço e foi MAIS PAPISTA DO QUE O PAPA.