MAIS PAPISTA DO QUE O PAPA
Hesitei muito em escrever este artigo. Hesitei porque, sendo um dos portugueses que nutre pelo Professor Cavaco Silva uma indiscutível admiração, senti-me, por dever de consciência, obrigado a dizer-lhe algo que não vai ser do seu agrado. Não ficaria bem comigo se não lho dissesse.
Tenho para mim que este ilustre Professor Universitário foi o político que, em termos gerais, mais marcou positivamente o nosso País, depois da instauração do regime democrático. Nos domínios da Política Externa e das relações com a União Europeia, das Infra-estruturas Rodoviárias, das Finanças e da Segurança Social, o período de 1985 a 1995 foi um período de ouro, muito difícil de ser repetido no futuro. Portugal deve-lhe muito nestes domínios. É indiscutível.
O mesmo não pode ser dito, infelizmente, em relação à Justiça, à Educação e à Qualificação dos Recursos Humanos. Nestas três áreas residiu o calcanhar de Aquiles do Primeiro-ministro Cavaco Silva. Por falta de tempo, por opções políticas desajustadas ou por falta de Ministros competentes naquelas três áreas, a obra de Cavaco não pôde, por isso, ser perfeita. Tê-lo-ia sido se, designadamente na Justiça e na Educação, o investimento político tivesse sido outro. Não foi; perdeu-se, naquela década, uma oportunidade única e o País ficou, para muitos anos, irremediavelmente marcado por incontornáveis contradições, hoje à vista de todos: Portugal é um dos países da União Europeia mais avançado em infra-estruturas rodoviárias e obras de betão; mas é um dos países que está a ficar fatalmente para trás de todos os outros na Justiça, na Qualificação dos seus Recursos Humanos e na sua manifesta incapacidade para se desenvolver competitivamente nos domínios da economia. Não vai ter remédio tão cedo, talvez durante muitas gerações.
Durante os anos em que se esteve a preparar para ser Presidente da República, e já depois de investido no cargo, não houve nem há discurso político em que Cavaco Silva não fale do atraso dos portugueses nas áreas acima citadas. É o próprio a reconhecer a sua falha. Numa conferência que, em 7 de Julho de 2005, proferiu no Clube Via Norte, Cavaco Silva já naquele momento considerava prioritário que se procedesse à urgente “…determinação do tipo de impostos que se destinam prioritariamente ao investimento produtivo na educação e qualificação dos recursos humanos de Portugal. Há no nosso País um défice crónico de educação e qualificação dos recursos humanos; trata-se dum problema geracional que urge remediar com investimentos especificamente dirigidos, com efeitos a longo prazo…”(ver www.vianorte.org). Senhor Professor: o que é que esteve a fazer durante os dez anos em que foi Primeiro-ministro de Portugal?
Assisti à entrevista que, como Presidente da República, concedeu à jornalista Maria João Avilez. Tratou-se duma entrevista inoportuna, sem sentido, lamentavelmente irrelevante. Não gostei. Foi demasiado paternalista, não trouxe nenhuma ideia nova, não avocou nenhum tema português ou mundial de especial relevância e não conseguiu ser, perante os Portugueses, politicamente equidistante. As especiais responsabilidades que detém como Presidente da República deviam impedi-lo de, nesta fase da política portuguesa, ser um defensor acérrimo das políticas do Governo ou das Oposições. Não é esse o seu papel. Fazendo o que fez agradou a uns e desagradou a outros. Corre o risco desnecessário de, a partir de agora, começar a ser na rua aplaudido por uns e vaiado por outros. E isso não é bom para o CHEFE DO ESTADO.
O Órgão de Soberania Presidente da República deve, do alto do seu posto de observação política, deixar que sejam os Portugueses e a Assembleia da República a censurar ou a apoiar o Governo e as suas políticas. VOSSA EXCELENCIA, Senhor Presidente, prestou um mau serviço e foi MAIS PAPISTA DO QUE O PAPA.
1 comentário:
Sou um grande admirador do Prof. Aníbal Cavaco Silva, sempre estive ao lado dele e concordo que foi sem dúvida alguma um dos melhores, se não o melhor estadista que Portugal teve após o 25 de Abril.
Apoiei desde a primeira hora a sua candidatura a Presidente da República, porém no decorrer da campanha fui-me apercebendo de algumas situações menos agradáveis quer para a sua imagem, quer para toda a estratégia de alcançar a sua intenção de chegar a PR. Para bem deste país tudo correu da melhor forma e hoje aqui o temos como PR.
Confesso que também fiquei surpreendido com a recente entrevista ao canal 1 da RTP.
Fiquei surpreso porque também esperava que alguém com a personalidade e com a identidade que tem o Prof. Aníbal Cavaco Silva, levasse para o debate alguns dos temas mais preeminentes da nossa actualidade política e mostrasse a sua opinião como o fizeram os seus antecessores em muitas alturas.
Um PR não se pode refugiar na ideia de neutralidade e deixar passar ao lado alguns temas actuais. O PR deve ser um órgão regulador e fiscalizador do trabalho do Governo. Numa altura em que a maioria dos Portugueses está descontente e alguns vêm para a rua mostrar esse mesmo descontentamento, fica mal ao PR mostrar uma posição de completa protecção da actividade deste Governo.
Mesmo que algumas iniciativas deste governo fossem necessárias, como são e todos o reconhecem, o que esta em causa é um todo, é uma avaliação a toda a actividade deste Governo. E aqui, Sr. PR estamos quase todos os portugueses de acordo, está muita coisa mal.
Se resolveu dar esta entrevista, a maioria dos Portugueses estava à espera que fizesse o que fizeram os seus antecessores em alturas que estavam a acontecer precisamente algumas situações que hoje se repetem com este governo.
Melhor do que ninguém, o Prof. Aníbal Cavaco Silva sabe qual foi a postura do PR quando estava no governo e em que se viviam momentos muito menos conturbados do que os que estamos a passar.
Ficou mal, ficou muito mal ao Prof. Aníbal Cavaco Silva assumir uma postura completamente paternalista sobre este Governo.
Espero que tenha sido apenas uma escorregadela de inicio de mandato, e que este Grande Sr. venha finalmente assumir a defesa de todos os Portugueses que ele representa e tem a obrigação de defender, regulamentando a acção de qualquer governo de qualquer cor partidária.
O Pintas
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